Título: "A Alma Trocada"
Autor: Rosa de Lobato Faria
Editora: Edições ASA
1ª Edição Setembro de 2007
É um lugar comum dizer-se que determinada orientação sexual não é uma escolha, porque, se fosse, ninguém escolheria o caminho mais difícil. Foi esse caminho mais difícil que Teófilo teve de percorrer, desde a incompatibilidade com os pais, aos desencontros dentro de si próprio, chegando mesmo a acreditar que alguém lhe tinha trocado a alma...
Rosa Lobato de Faria aborda, desta vez, um tema diferente – o tema da homossexualidade masculina –, num romance que, mantendo embora o tom poético que sempre tem caracterizado as criações da autora, se arrisca por caminhos até aqui pouco explorados na ficção portuguesa.
Ouvida por Isabel Coutinho para o dossiê sobre ficção gay portuguesa que o Ípsilon publicou a 24 de Agosto, Rosa Lobato de Faria afirmou que "Nunca me passaria pela cabeça escrever um livro para o inserir num género (...) Não há diferença entre este e os outros romances. Gostei daquele homem cheio de fragilidades porque não o deixaram crescer como ele devia ter crescido. É um homem que me é simpático".
Breve resumo:
Aos 26 anos decide sair do armário, perante a aparente indiferença da “noiva”, a cumplicidade da avó Jacinta (uma matriarca alentejana), o desespero da mãe e o ódio do pai.
Anos a fio a suportar o peso das normas, a pressão social, os equívocos da “normalidade”, em terreno sempre escorregadio, desde o dia longínquo em que descobriu o «rasgão no peito». Descoberta abrupta, à beira dos 13 anos, quando surpreende o Tinito, cinco anos mais velho, a masturbar-se: «foi quando vi o Tinito, todo nu, entretido com o seu próprio membro [...] a deliciar-se com o seu rapidíssimo jogo de mão.» Segue-se a iniciação às mãos do referido Tinito, cigano bem-parecido criado em casa da avó Jacinta. Nesse dia percebeu.
Mas quem o faz enfrentar a família e a sociedade é outro homem, Hugo, um advogado jovem sem problemas identitários. A acção do romance divide-se entre Lisboa, o Estoril (onde Teófilo e Hugo arranjam casa) e o monte alentejano da avó Jacinta, com rápida digressão parisiense, em ambiente burguês, com apontamentos certeiros sobre tiques, hábitos e costumes das classes médias urbanas. A fluência narrativa não tropeça no sexo: «Cala-te, patrão. Não digas nada se não queres ser violado à bruta. [...] Só sei que lhe gritei uma vez e outra e outra vez, amo-te estúpido, amo-te animal, amo-te cabrão, filho da puta, cigano de merda, meu amor.» Passa-se isto quando, já casado e pai de filhos, Tinito leva Teófilo a trair Hugo, seu companheiro.
Raquel, a “noiva” rejeitada, está na origem de uma sucessão de crimes: rouba os manuscritos de Teófilo, fazendo-os publicar com outro nome; encomenda o seu atropelamento; e depois o sequestro de uma criança. Acaba presa. Estas e outras peripécias dão colorido à acção.
Para mim, Rosa Lobato de Faria continua, e bem, com a sua escrita de “sentidos”, sendo o leitor permanentemente tentado e invadido pelos aromas, sons… «A casa cheirava a carqueja a arder na lareira e o frio seco, cá fora, pedia luvas e carapuços. Os cães vieram saudar-nos…». E fazendo-nos viajar no tempo e espaço até à nossa infância com a descrição do Natal, do arroz doce quente e do leite-creme queimadinho, tão característicos das Avós, entre palavras, lugares, fazeres e dizeres tão portugueses. «Lá dentro havia um conforto especial, um toque de ancestralidade rústica, um calor abençoado, um cheiro a canela.», «E a Maria a pôr a mesa da copa com as torradas de pão de centeio, o café com leite, a compota de abóbora, os biscoitinhos de erva-doce, para a minha fome de lobo, para a minha alegria de homem saciado e a saciar…».
Uma escrita que se lê de um só fôlego.
. "A Alma Trocada" - O últi...