Lia no Público a história da Misericórdia de Faro, que trocou nos seus refeitórios o peixe fresco da Ria Formosa por um empacotado congelado fornecido por uma multinacional de catering. “Com medo da ASAE”, explica-se na reportagem. E lembrei-me de R, herdeiro de uma das mais antigas casas de Lisboa. Numa reunião de trabalho, R. percebeu que eu conhecera as cozinhas antigas da deslumbrante fábrica da Confeitaria Nacional, onde se produz o afamado bolo-rei (filmei-as para um programa de Natal, na RTP, em 1987...). E contou-me tudo o que a ASAE o obrigou a fazer para cumprir as “normas europeias”, dando cabo, de passagem, de uma construção histórica (chão, bancadas, tudo refeito em alumínios e materiais laváveis e não porosos...) e dos seus mais marcantes objectos de confecção artesanal. Dá raiva e ranger de dentes.
E dá que pensar: a ASAE – cujo nome, por si só, tem qualquer coisa de oriental entre Haraquiri e Kung-fu – era uma bela ideia para pôr alguma ordem na desordem que qualquer ser humano dotado de olfacto e olhar notava em restaurantes, mercearias, supermercados. Imaginei a ASAE como o órgão que ía acabar com as unhas pretas dos empregados de café, as baratas a passear pelas batatas nas cervejarias, as casas de banho imundas e mal-cheirosas, e outros atentados ao nosso sossego e higiene na hotelaria e similares. Não mais do que o essencial para garantir a saúde pública – ou seja, o chamado asseio.
Era uma ideia com um passado prometedor, como quase tudo em Portugal. Mas essa boa ideia foi rapidamente transformada numa polícia de costumes fundamentalista, disposta a fazer tábua-rasa da tradição, do bom senso, do artesanato e das poucas coisas que ainda nos distinguem dos outros países.
Quando a ASAE deixa de ser uma instituição reguladora para se tornar um papão que intimida ao ponto de um refeitório trocar o peixe fresco por congelado antes mesmo da “policia” o inspeccionar, seria altura de alguém pôr ordem no excesso de ordem que a ASAE quer impor ao país. Não há poder que trave aquele supra poder sem rei nem roque?
Eu até ando a pensar em abrir um restaurante, mas com esta ASAE no activo é melhor uma loja de ferragens.»
Texto de Pedro Rolo Duarte