A FÉ ou a FORÇA DE VONTADE, como lhe quiserem chamar, faz o Homem erguer montanhas!
«Tive grandes ambições e sonhos dilatados - mas esses também os teve o moço de fretes ou a costureira, porque sonhos tem toda a gente! O que nos diferencia é a força de conseguir ou o destino de se conseguir connosco.»
«Saber que será má a obra que se não fará nunca.
Pior, porém, será a que nunca se fizer.
Aquela que se faz, ao menos, fica feita. Será pobre mas existe (...)»
Fernando Pessoa
Título: "A Alma Trocada"
Autor: Rosa de Lobato Faria
Editora: Edições ASA
1ª Edição Setembro de 2007
É um lugar comum dizer-se que determinada orientação sexual não é uma escolha, porque, se fosse, ninguém escolheria o caminho mais difícil. Foi esse caminho mais difícil que Teófilo teve de percorrer, desde a incompatibilidade com os pais, aos desencontros dentro de si próprio, chegando mesmo a acreditar que alguém lhe tinha trocado a alma...
Rosa Lobato de Faria aborda, desta vez, um tema diferente – o tema da homossexualidade masculina –, num romance que, mantendo embora o tom poético que sempre tem caracterizado as criações da autora, se arrisca por caminhos até aqui pouco explorados na ficção portuguesa.
Ouvida por Isabel Coutinho para o dossiê sobre ficção gay portuguesa que o Ípsilon publicou a 24 de Agosto, Rosa Lobato de Faria afirmou que "Nunca me passaria pela cabeça escrever um livro para o inserir num género (...) Não há diferença entre este e os outros romances. Gostei daquele homem cheio de fragilidades porque não o deixaram crescer como ele devia ter crescido. É um homem que me é simpático".
Breve resumo:
Aos 26 anos decide sair do armário, perante a aparente indiferença da “noiva”, a cumplicidade da avó Jacinta (uma matriarca alentejana), o desespero da mãe e o ódio do pai.
Anos a fio a suportar o peso das normas, a pressão social, os equívocos da “normalidade”, em terreno sempre escorregadio, desde o dia longínquo em que descobriu o «rasgão no peito». Descoberta abrupta, à beira dos 13 anos, quando surpreende o Tinito, cinco anos mais velho, a masturbar-se: «foi quando vi o Tinito, todo nu, entretido com o seu próprio membro [...] a deliciar-se com o seu rapidíssimo jogo de mão.» Segue-se a iniciação às mãos do referido Tinito, cigano bem-parecido criado em casa da avó Jacinta. Nesse dia percebeu.
Mas quem o faz enfrentar a família e a sociedade é outro homem, Hugo, um advogado jovem sem problemas identitários. A acção do romance divide-se entre Lisboa, o Estoril (onde Teófilo e Hugo arranjam casa) e o monte alentejano da avó Jacinta, com rápida digressão parisiense, em ambiente burguês, com apontamentos certeiros sobre tiques, hábitos e costumes das classes médias urbanas. A fluência narrativa não tropeça no sexo: «Cala-te, patrão. Não digas nada se não queres ser violado à bruta. [...] Só sei que lhe gritei uma vez e outra e outra vez, amo-te estúpido, amo-te animal, amo-te cabrão, filho da puta, cigano de merda, meu amor.» Passa-se isto quando, já casado e pai de filhos, Tinito leva Teófilo a trair Hugo, seu companheiro.
Raquel, a “noiva” rejeitada, está na origem de uma sucessão de crimes: rouba os manuscritos de Teófilo, fazendo-os publicar com outro nome; encomenda o seu atropelamento; e depois o sequestro de uma criança. Acaba presa. Estas e outras peripécias dão colorido à acção.
Para mim, Rosa Lobato de Faria continua, e bem, com a sua escrita de “sentidos”, sendo o leitor permanentemente tentado e invadido pelos aromas, sons… «A casa cheirava a carqueja a arder na lareira e o frio seco, cá fora, pedia luvas e carapuços. Os cães vieram saudar-nos…». E fazendo-nos viajar no tempo e espaço até à nossa infância com a descrição do Natal, do arroz doce quente e do leite-creme queimadinho, tão característicos das Avós, entre palavras, lugares, fazeres e dizeres tão portugueses. «Lá dentro havia um conforto especial, um toque de ancestralidade rústica, um calor abençoado, um cheiro a canela.», «E a Maria a pôr a mesa da copa com as torradas de pão de centeio, o café com leite, a compota de abóbora, os biscoitinhos de erva-doce, para a minha fome de lobo, para a minha alegria de homem saciado e a saciar…».
Uma escrita que se lê de um só fôlego.
Título: Proibido
Autor: António Costa Santos
Editora: Guerra e Paz
1ª Edição Maio de 2007
Como será a vida num país onde uma mulher, para viajar, precisa de autorização escrita do marido e as enfermeiras estão proibidas de casar?
Haverá um país onde meçam o comprimento das saias das raparigas à entrada da escola, para que os joelhos não apareçam?
Imagina-se a viver numa terra onde não pode ler o que lhe apetece, ouvir a música que quer, ou até dormitar num banco de jardim?
Como se faz praia, num país que não deixa ninguém mostrar o umbigo?
Já nos esquecemos, mas ainda há poucos anos tudo isto era proibido em Portugal. Tudo isto e muito mais, como dar um beijo em público.
fosse um bom aviso para o presente?
Mas que não se pense que a “façanha” do proibir só existia no passado, que morreu às portas do 25 de Abril, ou que era e é somente “propriedade” do Estado.
Como pode ler na página 94 do “Proibido”: «Já em Março de 2007, o Papa Bento XVI, na primeira exortação apostólica do seu pontificado, fez questão de recordar que os católicos divorciados que voltem a casar estão proibidos de comungar, a menos que se comprometam a viver com o novo companheiro como amigos ou irmãos, isto é, sem relações sexuais.»
...o que será que a Igreja pensa acerca dos filhos que possam advir dessas mesmas relações “Proibidas”? São prescritos? Se assim for, mais de metade da nova geração será prescrita da igreja.
António Costa Santos é jornalista desde 1976. Trabalhou, entre outros, nos semanários “Sete”, do qual foi chefe de redacção, e “Expresso”, onde assinou durante cinco anos uma crónica sobre questões da vida quotidiana, o “Estado do Sítio”. Publicou um romance, livros de humor e para a infância, e é autor de guiões para cinema e televisão. Tem 50 anos e quatro filhos, aos quais proibiu algumas coisas, ao longo da vida, como bater nos mais fracos, faltar às aulas para ir jogar matraquilhos, deixar os discos fora das caixas, denunciar um colega, ou pregar mentiras, à excepção das piedosas e em legítima defesa.
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